terça-feira, 15 de março de 2011

Vargas Vila, DOS VINHEDOS DA ETERNIDADE



Dos vinhedos da ETERNIDADE (romance) / Vargas Vila. – 1ª Edição. São Paulo. Tradução de Galvão de Queiroz. Coleção “Eros”. Editora Prometeu. 1955. 175 páginas.

Vargas Vila foi o primeiro escritor estrangeiro com o qual tive contato através da obra Aura, ou as violetas, publicada pela Editora Prometeu;
era eu, ainda uma criança e apaixonei-me pelo seu romantismo de frases bem elaboradas quase sempre tocando profundamente as almas juvenis.
Sua composição estética me fascinou.
A solidão que me guiava, longe dos meus pais e irmãs, provocada pela hipocrisia daquela que um dia me “pediu” à minha mãe, e depois me jogou neste mundo cruel e nefasto, me fezendo ver nas coisas humanas, um misto do ridículo e da miséria;
e, em Deus, toda a responsabilidade pelas dores do Mundo;
u'a vontade do fim, em pleno alvorecer de minha vida e em meio a caminhada dos sonhos de mudar o mundo com Martir Luther King, Che Guevara, Bolívar, Lumumba, Ho Chi Ming, John Lennon, Geraldo Vandré;
algumas flores do jardim da História.

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Inexperiente, pouco familiarizado com a dor, seu estilo me seduziu de maneira irresistível.
Como não pensar em buscar o pensamento doce e capaz de reconciliar-me com o meu destino final, a morte?
reconciliar o miserável com o seu destino era reduzir a cinzas meu cérebro;
 era matar a Deus;
 esse Ser “então” injusto, cruel e desumano.

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Para Vargas Vila, Deus não vive senão ali;
 no cérebro;
é uma criação humana.

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Como conviver com a Solidão,
se o sentido Vargavileando ao termo Solitário não é ter ninguém perto de si;
e sim, não ter ninguém dentro de si?

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Eu tinha meus pais e minhas irmãs, família da qual eu havia sido apartado, mas que se conservava em perfeita Harmonia como os acordes da “divina música”, sob a batuta do maestro que era meu pai, em anúncio à Hora Sagrada;
e a incredulidade em Deus, por não aceitá-lo antropomórfico, que batia de frente com a convicção deísta carregada em meu genoma.

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                A Natureza não tem uma alma; é o artista que lha dá; e uma obra de arte é isso: a alma do artista refletida em a Natureza, afirma Vargas Vila;
quem é esse artista que dá alma à natureza, indaguei por diversas tardes quando o beijo frio das Virgens Mortas  gelava-me a face.

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Os servos da gramática não têm mais talento do que a sua servidão ao dicionário e, como todos os escravos, não se conformam com sofrê-la, mas querem impô-la;
assim ensinava Vargas Vila, mas, na condição de um Servo da Gramática que o escritor Sebastian Faure trabalhou os 12 argumentos do livro Provas da Inexistência de Deus, Editora Germinal, RJ, 1958, na tentativa de justificar o Ateísmo.

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Numa sensibilidade de profusão de imagens que faz pensar em Vitor Hugo, alternada pelo humor cáustico de Lesage, Swift ou Voltaire;
 segundo Turiello, a obra de Vargas Vila permanece diversa e multiforme, compreendendo romances, contos, ensaios históricos e políticos, filosofia e versos, com toda robustez e profundidade de seu autor a espalhar a amargura, pessimismo, ateísmo e induzindo ser o suicídio uma opção de liberdade: “destruir é mais glorioso do que criar [...] a vida é terrível, mas a morte, sob qualquer forma que seja não deve inspirar medo a ninguém”;
basta recorrermos aos agentes de polícia do Panamá, sobre cujos cadáveres foram encontrados dois bilhetes com a seguinte frase: “Procurem a causa de nosso suicídio na página 229 de “Ibis”, de Vargas Vila;
ou em Goiânia, onde um jovem de descendência Turca, no início da década de 70, do século passado, se atirou do 13º andar do Edifício Princesa Isabel, na Avenida Goiás, Centro, quando lia “Lírio Vermelho”, do mesmo autor.

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Dos vinhedos da Eternidade, segundo Vargas Vila, contém e revela suas mais atrevidas ideologias; toda a sua filosofia, toda sua ética, toda a sua antiética, assim como seus pensamentos em história e o conceito emocional e passional que tem pela Vida.

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Vargasvileando em Dos vinhedos da eternidade:

Nos olhos de certas mulheres há tanta tristeza, tal névoa de tragédia, que se diriam lagos onde flutuasse um cadáver;
hoje vi uns olhos assim;
e eu poderia dizer o nome do morto que lá flutua...
é sempre o mais belo túmulo, um coração que não sabe esquecer ...

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Assegurar que a alma é imortal é o orgulho dos pobres mortais que não têm alma.

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A característica de um homem de princípios é que não tem nunca um fim.

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Não vencer é um triste drama;
mas vencer é a pior das tragédias.

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Ler coisas apaixonadas, eis o que desgosta enormemente das pessoas sem paixão...
 imaginai a angústia de um eunuco vendo a cena de um defloramento.
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De todas as criações do homem, talvez tenha sido Deus a mais fatal.

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O Verso foi a forma mais harmoniosa de expressão, mas não a mais perfeita;
 foi a linguagem dos povos primitivos;
a prosa, rompendo o diapasão do Verso, libertou o pensamento dos entraves métricos e lhe deu u’a musicalidade mais consistente e mais sonora; uma beleza viril de que havia carecido até então;
a aparição da Prosa, não vencendo, mas dominando o Verso, foi a mais transcendental de todas as evoluções da linguagem humana;
a Prosa foi, como disse Quincey, “a descoberta de alguns homens de gênio”;
houve mais que um processo técnico; houve um processo estético, nessa evolução;
ao se alargar o Pensamento do Homem.alargaram-se os seus meios de expressão;
 o caudal das novas sensações procurou um leito de mais amplas expressões, e a Poesia, saída do leito metrificado do Verso, fez-se o rio harmonioso e correntoso da Prosa;
todos os afluentes da beleza falada entraram nele, e por ele correram;
deixou de murmurar, passando a cantar os espetáculos múltiplos que refletia em suas ondas.

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                [...] só a Verdade da pedra é incorruptível...

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Há duas coisas a que não é possível abrir nem fechar a porta: o Amor e a Morte;
chegam ambos à hora precisa e se apoderam de nós, sem que nada nem ninguém nos possam livrar do seu império.

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Quando Deus morre em nosso coração, os céus e o Vazio se fazem maiores, por que
Já não têm nada que os encha... Deus é, verdadeiramente, a mais bela das ilusões... por que é necessário que ele morra, para que sejamos livre?

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                Todo amor aos demais é uma traição a nós mesmos.

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                O verdadeiro artista não vê as coisas tais como são, mas tais como estão em seu cérebro; como ele as vê, em sua concepção primordial, adaptada à visão ambiente.

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                Não nasci musico de outro instrumento senão da palavra; é a única harmonia que possuo, e a única que me seduz; os demais ruídos me são indiferentes ou desagradáveis.

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                Os plagiários podem roubar nossas palavras e nossas idéias, mas não podem roubar nosso talento; esse é o seu desespero e o seu castigo.

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                Deus nasce, vive e morre, com o Homem; nenhum morto crê em Deus ...

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                O Suicida!... eis aí um acusado que não pode ser julgado senão pelos seus pares.

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                Uma angústia renovada: isso é a Vida.

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                [...] amante seria o animal mais insuportável do mundo, se não existisse a esposa [...]

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                A terra nos dá seus frutos e seus perfumes; que lhe damos nós? Nossa podridão;
até nisso somos ingratos com todas as entranhas maternais.

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                O ideal é mutável; só nosso destino é permanente.

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                [...] mas o verdadeiro sentido da palavra Solitário é não ter ninguém perto de Si, mas sim não ter ninguém dentro de Si, dentro de seu próprio coração;
todo amor mata a Solidão, porque dela compartilha.

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                A Palestina foi o último refúgio da nacionalidade hebréia ante a invasão romana;
que melhor teatro para nele morrer aquele derradeiro mártir da nacionalidade hebraica que foi Jesus?

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                Por que separar a Civilização da revolução?
                uma revolução justa é a civilização em ação.

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                É sendo Homem de Partido que se chega ao Poder;
Mas é deixando de ser homem de partido, que se conserva o Poder;
os traidores também o sabem;
e o praticam.

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Só aquele que muito ama seus filhos, ou muito ama seus livros, pode avaliar a dor que é perder um deles...

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                Há amores que morrem, mas não se sepultam;
                seu cadáver insepulto se chama ódio.

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                Só a Dor faz a Vida bela.

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                O Amor que fecunda, já não é Amor; é a Paternidade;
                uma virtude social muito vulgar e muito estimável, sem dúvida, mas de encantos duvidosos para as almas delicadas.

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                O amor não ama a sinceridade;
                ser enganado é o primeiro elemento de sua Ventura.
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                Só em amores espirituais há traição;
 em amores carnais não há senão fantasias.

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                É a idéia quem dá força à Palavra;
                mas, é a palavra que dá beleza à Ideia;
                unir a beleza da forma à força do Pensamento, é ser verdadeiro Pensador.

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                Todo vencido é augusto, porque a derrota é o mais cruel dos decretos do Destino.

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                É o Amor, não a Beleza, o que embeleza o ser amado.

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                O Amor, feito Dever, já não é Amor, é o Casamento;
                o maior, o mais vulgar e o mais pesado de todos os deveres.

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                O Amor não cria direito nem deveres;
                e se os cria, já é Lei, não é mais Amos;

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                O Amor é a lei da espécie, e por isso não reconhece nenhuma outra espécie de lei.

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                [...]
o mito não pode presidir a História;
os deuses são um acidente na Vida do Homem;
são a causa de quase todos os males da História, mas não são a História;
o Historiador, como um novo Ezequiel, sopra sobre o pó das nações mortas, e as ressuscita;
com elas ressuscita o pó dos deuses, não para que ditem juízo sobre os homens, mas para que ouçam em silêncio o juízo que os homens ditaram sobre aqueles...
a presença de Deus não explica a História: complica-a;
é preciso desterrar Deus da História, para que surja a Verdade...
como é preciso desterrá-lo da Vida, para que surja a Liberdade.

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                O Cristo não fez senão ensinar-nos uma nova escravidão: a do Espírito;
                e, para nos dar o consolo da Esperança, impôs-nos o jugo da Fé...

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                O cinismo e a Hipocrisia são duas virtudes cristãs.

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                Não se ri, beijando os cadáveres.

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                Toda idolatria é uma escravidão.

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                A morte não nos atraiçoa.

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                A mãe da Ciência não é a certeza;
                a mãe da Ciência é a Indagação;
                Ciência e Adoração se excluem;
                uma Ciência de joelhos, como poderia caminhar?
                e uma Ciência imóvel seria como água estagnada;
                acabaria por se corromper e por nos corromper;
                como uma religião.

***

                É por causa da religião que o homem se envileceu tanto;
 a teoria do Pecado Original, que faz dele um réu desde o berço, faz dele também um ser sem Inocência, condenado por um Deus sem Piedade;
condenado... por quê?
não lhe tem sido dado defender-se de um crime que lhe foi imposto, e não viu nunca o rosto do Juiz que o condenou por aquele crime;
ao abrir os olhos para a Vida, encontrou, perto do seu berço, apenas o Castigo;
 foi condenado sem ser ouvido, e isso em nome da Justiça Divina;
como pode um condenado assim acreditar em Deus, ou na Justiça?

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                A Natureza é má por indiferença;
 a sociedade é má por interesse;
 a Crueldade de ambas é aterradora;
 eu prefiro a da Natureza, porque ela não me obriga a amar o mal que me faz e não me castiga porque não canto seus louvores;
a selva é pura porque não é o império do Homem;
 o império do Homem é a Sociedade, isto é, a Escravidão.
 A Natureza dá o Gênio aos homens e não aos povos, para atirar sempre uma vítima ao Circo de uma época;
 se desse gênio a um povo, quem se encarregaria de o sacrificar?
 Então seria necessário criar Deus, único verdugo digno de sacrificar um povo de Gênio.

***

                Um homem limitado é um homem feliz;
é o infinito que carregamos em nós, o que faz a desgraça de nosso coração;
 tirai  esse infinito e tereis esgotado a fonte do Ideal, que canta em nossa vida;
 sem esse ideal, a vida valeria a pena ser vivida?
 Sim;
como vivem os brutos; e os homens limitados.

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                As idéias se expõem não se impõem.

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                O Vício é uma liberdade.

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                O ouro é demasiado vil;
e, entretanto, ele nos dá a única coisa que não avilta: a Independência.

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                O Eu, em literatura, é uma palavra que todos dizem odiar e que, entretanto, todos querem impor;
a modéstia serve para isso.

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                O Homem é a Pitonisa de seu próprio sonho.

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                O Instinto é o Grande Evangelista da Vida;
o único que não nos engana e ao qual podemos enganar.

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                Deus não engana o Homem;
 é o Homem quem se engana voluntariamente, acreditando em Deus;
se o medo do Homem cria o Ídolo, para adorá-lo e para tremar diante dele, que culpa tem o Ídolo da imbecilidade daquele que o criou?
 Nosso despeito, ao ver o nada de Deus, é o despeito do Criador que chega a ver a inanidade de sua criação;
 a quem culpar?

***

BIOGRAFIA de José Maria Vargas Vila, pensador, romancista, jornalista, escritor e poeta latino-americano nascido em Bogotá, Colômbia, que por causa de seu permanente combate com a pena e com as armas às ditaduras e tiranias, passou a maior parte da vida no exílio. Ainda muito jovem alternou a atividade de professor em Ibagué, Guasca, Anolaima e Bogotá, com sua participação nas guerras civis como soldado das tropas liberais radicais do colombiano Santos Acosta (1830-1901). Com a derrota liberal (1885), refugiou-se em Los Llanos, região nas proximidades do Rio Orinoco, e com a cabeça a prêmio, logo teve de abandonar o solo pátrio e, banido do país durante a ditadura do presidente colombiano Rafael Wenceslao Núñez Moledo (1825-1894), radicou-se na Venezuela, onde publicou suas primeiras obras, como a coletânea de poemas Pasionarias (1886) e dirigiu os jornais liberais La federación e fundou e dirigiu a revista El eco andino e com o médico Diógenes Arrieta (1848-1897)  e o escritor político colombiano Juan de Dios Uribe (1859-1900), fundou a revista Los Refractarios (1888). Foi assessor do presidente venezuelano Joaquín Sinforiano de Jesús Crespo (1841-1898)  e como diplomata, soube resolver com habilidade um complicado litígio com a Grã-Bretanha. Após uma viagem à Europa, foi também expulso da Venezuela (1891) por suas idéias liberais, no governo de Raimundo Ignacio Andueza Palacio (1846-1900). Mudou-se então para New York, onde fundou a revista de combate Nemesis, foco de rebelião literária e política durante vinte e cinco anos. Nomeado  pelo presidente Eloy Alfaro (1842-1912) cônsul-geral e ministro plenipotenciário do Equador, em Roma (1898), continuou dedicado à literatura. Publicou Ibis (1899), Alba roja (1901) e Ante los bárbaros (1902), que por ter um conteúdo anti-americano, foi impedido de voltar a New York. Mudou-se para Paris (1904), onde escreveu e publicou Laureles rojos (1904), La república romana (1908) e La muerte del cóndor (1914). Durante a primeira guerra mundial esteve na Espanha, onde publicou Vuelo de cisnes (1917) e depois alternou temporadas entre Madri, Paris e Roma. Apesar das perseguições políticas em vida, sua obra obteve grande sucesso na América Latina, mesmo muito depois de sua morte. Escritor revolucionário e autêntico em seus pensamentos e idéias, foi criador de uma extensa obra que obteve a mais ampla ressonância e respeito no mundo Ocidental. Irredutível, solitário e ateu, altivo e vaidoso, faleceu em Barcelona, Espanha, um mês antes de completar 73 anos. Algumas de suas obras foram publicadas postumamente como El maestro (1935), El joyel mirobolante (1937) e José Martí: apóstol-libertador (1938).

Fonte: www.dec.ufcg.edu.br/biografias/

Luiz Humberto Carrião

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