Textos


04. A única maneira de experimentarmos o passado ou o futuro é transformando-os em presente

Noutro dia, ainda bem cedo, contornava a Praça Cívica doutor Pedro Ludovico Teixeira, em 

Goiânia, que abriga a sede do governo estadual, o Palácio das Esmeraldas, e, ao parar no semáforo deparei com uma leitura que muito me chamou a atenção. À aquela hora da manhã, uma jovem senhora sentada sobre a plataforma que sustenta o monumento das três raças simbolizando a miscigenação do negro, branco e índio na construção do povo goiano contemplava maravilhada o céu cinzento pela ameaça de chuva como se estivesse numa praça européia. Digo isso, porque nós, brasileiros, não temos a cultura de apreciar nossos espaços de lazer, de cultura, de memória histórica. Aliás, em tempos de tanta violência, isto se torna até justificável.

Uma imagem sem igual! Um óbelo de aproximadamente 7 metros de altura sustentado por três esculturas em formas humanas fundida com 300 quilos de bronze, assinada pela artista plástica Neusa Moraes, contrastando com aquela minúscula vivente contemplativa.

Não acredito em coincidências, elas não existem! Mas o som automotivo lançava em ondas no interior do veículo a bela canção italiana de Nicola di Bari, I giorni dell´arcobaleno, “Os dias do arco-iris”, cuja poesia homenageia aquela que Giacest bambina, ti alzasti già donna,“Deitou-se menina, levantou-se mulher”. Ela preparava outra pessoa. Aqueles segundos entre o vermelho e o verde tornou-se uma eternidade. É que o tempo já é considerado de há muito pela Ciência como uma dimensão que experimentamos como duração. [royalties ao jornalista Celso Antônio de Almeida].

Agostinho (354 – 430) considerado o Santo dos Sábios e o Sábio dos Santos, já asseverava na escuridão medieval: “como e onde quer que estejam, só existe o presente […] o futuro só existe no presente como antecipação […] o presente do passado é a memória, o presente do presente é a percepção, o presente do futuro é a expectativa”. No entendimento do Santo, a única maneira de experimentarmos o passado ou o futuro é transformando-os em presente.

O passado e o futuro só existem no presente.

03. O preço de uma vida

O mau cheiro exalado pelo esgoto a céu aberto no que anteriormente havia sido um manancial de águas límpidas era insuportável. Pequenos barracos de lonas pretas, outros de pau a pique ou mesmo de tijolos de vários tamanhos assentados com argila estampavam a miséria naquele lado da cidade. Sentada numa cadeira provavelmente encontrada em um lixo qualquer, uma mulher trazia no semblante a tristeza pelo desaparecimento da pequena Esther, de apenas 5 aninhos de idade. Saiu pela manhã para esmolar no sinaleiro próximo e não mais voltou. 

Poderia ter sido levada por um pedófilo, roubada por alguma família estrangeira. Tudo isso passava pela cabeça daquela mulher negra, vestida com uma camiseta regata com os seios a mostra. A saia enfiada no meio dos fêmures, entre os quais, também, as mãos postas apiedando-se ainda mais aquela miséria humana.

Dia após dia aquela mesma paisagem, apenas uma modificação quase que impercebível, o cabelo. A cada dia ele se encontrava mais esvoaçado sobre aquela cabeça quase sempre tombada para o lado direito. Ficava ali parece que esperando a pequena Esther chegar correndo com as mãozinhas cheias de moedas para as despesas diárias. Dela, da mãe e de mais dois irmãos menores.

Num dia desses a pequena Esther apareceu. A mãe como que num ato autômato a segurou pelo braço e começou a surrá-la. A menina gritava e dizia para a mãe não bater porque o machucado estava doendo. Foi então que a mãe percebeu que havia um corte de uns 12 a 15 centímetro com pontos cirúrgicos. Indagou a menina o que era aquilo e ela não sabia dizer. 

Um vizinho teve a ideia de procurarem o Conselho Tutelar, onde após exames de praxe num hospital público constatou-se que Esther havia passado por uma cirurgia na qual haviam lhe extraído um rim.

Não se trata de uma ficção. Um fato real ocorrido numa das maiores cidades do país.

02. Egoísta é a mãe ...

Vida breve!
Vida frágil!
Vida preciosa demais para ser desperdiçada.
Quiçá,
Por isso,
A levo de maneira tão contrária ao perfeitamente correto.
O passar dos anos levou-me a enxergá-la como a único bem que possuo.
Que eu tenho!
Depois dela, o nada!
A Vida é algo muito individual
Que não merece ser compartilhada,
E sim, vivida.
Os deveres invadem-nos como antecipação do futuro em nosso presente
Deixando um rasto de memórias que nos fazem o passado
Num mal que só se cura, quando tomamos conta de que só existe o presente, e nele, a conjectura do passado e do futuro.
Só existe uma Vida.
Vivê-la intensamente consigo mesmo é respeitá-la.
É não permitir que pessoas venham invadi-la com suas imperfeições alheias.
Compartilhar a vida,
É fazê-la infeliz.
É permitir que lhes roube a ternura.
Por isso, proclamei!
De hoje em diante só tenho direitos
Os deveres foram deletados da memória.

01. Professor Antonio Hipólito de Souza

Há poucas semanas faleceu em Goiânia o professor Antônio Hipólito de Souza vitimado por um Acidente Vascular Cerebral (AVC). O conheci no início da década de 70 como professor de História no Colégio Rui Barbosa. Apaixonado pelo Egito Antigo de tal maneira que da primeira a última aula de um ano letivo sempre estava presente a terra dos faraós. Muitos fomos os que partimos para a licenciatura na disciplina em função de suas aulas.

A medida em que ia transcorrendo sobre um determinado tema fazia questão de colocar uma bibliografia no canto direito da lousa. No primeiro dia de aula distribuía aos alunos algumas folhas mimeografadas com uma relação de livros que julgava necessário à formação intelectual do cidadão. E o interessante é que, quando o aluno ficava de recuperação, a avaliação era feita sobre a leitura de um daqueles livros durante a aula para que assim, pudesse compartilhar com os colegas o conteúdo da obra. Todos tinham por obrigação de ler ao menos um livro durante o ano letivo. Jamais admitiu um de seus alunos referir-se a um livro sem que fosse referenciado o seu autor e editora.

Era na verdade aquele pássaro da fábula que voava longe para buscar uma gota de água para tentar apagar o incêndio de uma floresta, enquanto o rei das selvas assistia a tudo preguiçosamente. Hipólito, como era chamado, contagiou todos nós que tivemos a oportunidade de compartilhar de sua cultura. Quanto a mim, tive o privilégio de explorar sua biblioteca; de ser por ele apresentado ao filósofo Huberto Rohden, e percorrer os sebos de Goiânia a procura de preciosidades.

Este blog foi criado pensando em sua didática, ainda com o professor convivendo entre nós, porém na cidade de Corinto, nas Minas Gerais. Depois, os afazeres e o tempo que me ocupa outro blog, o www.girpontocom.blogspot.com e recentemente, a alimentação do www.girgoias.blogspot.com, além da edição da revista Girgoiás, deixei de lado a publicação dos comentários sobre os livros que leio. Porém, hoje, 27 de novembro, senti a necessidade de retomar esse trabalho.

Também resolvi abrir essa seção de Secos & Molhados, onde pretendo expressar minha opinião sobre o cotidiano do mundo. A cada nova publicação estarei arquivando numa página específica esses textos.

Mesmo que ninguém os leiam, mas ao menos estarei fazendo a minha parte.